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O Metaverso pós Meta

A troca de nome de Facebook para Meta representa um marco na história de uma tecnologia que já possui algumas décadas, mas o quão impactante é essa mudança para o desenvolvimento do metaverso?

Tempo estimado para a leitura: 10 minutos

No mesmo dia em que o grupo Facebook anunciou a mudança de seu nome para Meta, cripto ativos saltaram em valor. O dia 28 de Outubro de 2021 simboliza um marco na história de uma tecnologia conceituada na década de 90, cujos blocos fundamentais estão ganhando nova forma em aplicações como jogos, comércio e aplicações financeiras. Não estamos vendo o metaverso ganhar materialidade pela primeira vez, então surge a pergunta: será que desta vez o metaverso veio para ficar?

O panorama do metaverso

Avanços tecnológicos são geralmente atribuídos a fatores de desempenho, como melhoria dos componentes internos ou o barateamento do custo de fabricação, que acelera a adoção de novas tecnologias. Com o metaverso não é diferente, e a cada nova barreira tecnológica ultrapassada, experimentamos novos aspectos de uma existência digital.

Mas o que é o metaverso? Logo nos primeiros minutos da apresentação de anúncio da troca do nome do Facebook para Meta, Mark Zuckerberg definiu o metaverso como uma experiência imersiva, em que pessoas são parte dela e não apenas telespectadores. Um aspecto importante desta experiência imersiva, destacada na apresentação, é a capacidade de estabelecer conexão com outras pessoas e suas representações virtuais, ou avatares.

A plataforma Second Life, criada em 2003, é o que há de mais próximo do metaverso descrito na apresentação da Meta. Pessoas criam seus avatares e se relacionam com outras em um mundo online. Não há objetivos definidos ou ações que devem ser executadas. Pessoas utilizam a plataforma para se conectarem umas com as outras. A plataforma chegou a ter mais de 1 milhão de usuários ativos, mas não cresceu mais do que isso. Os principais desafios que a plataforma encontrou para massificar a adesão foram as limitações tecnológicas da época, com computadores de baixo processamento gráfico, e o desconforto do uso de acessórios de realidade virtual capazes de tornar a experiência mais imersiva. A própria Meta acredita que sua visão do metaverso só deve virar realidade após 2030, mas o momento para construir o metaverso é agora, pois as tecnologias fundamentais para a construção de um metaverso estão criadas ou em estágio avançado de desenvolvimento.

Avatar criado na plataforma Second Life.

Avatar criado na plataforma Second Life. Fonte: Second Life.

Avatares já existem foram de plataformas ou jogos, mas de forma independente. A apresentadora Sabrina Sato anunciou a Satiko, seu avatar, criado pela startup Biobots. A Satiko é inspirada em uma pessoa real, mas possui sua própria personalidade, comportamentos e afinidades. Este avatar se relaciona no espaço digital sem dependência da Sabrina Sato.

Foto de perfil da Satiko.

Foto de perfil da Satiko. Fonte: Forbes.

Embora uma experiência que envolva os cinco sentidos no espaço digital ainda não seja realidade, o metaverso já existe e é explorado hoje, em jogos e plataformas online. O grupo Repórteres Sem Fronteiras publicou, em 2020, uma biblioteca virtual dentro do jogo Minecraft, contendo diversas publicações censuradas em vários países. Jogadores entram no servidor onde o mundo está hospedado e exploram representações de bibliotecas em várias partes do mundo. No Brasil, o instituto Kantar Ibope Media estima que 6% dos brasileiros que usam a internet estão no metaverso, uma parcela deles usando dispositivos de realidade virtual. Alguns acontecimentos recentes ao momento da publicação deste post, no entanto, fazem crer que esta parcela aumentará em breve.

Ambiente virtual criado pelo grupo Repórteres Sem Fronteiras para divulgação de publicações censuradas.

Ambiente virtual criado pelo grupo Repórteres Sem Fronteiras para divulgação de publicações censuradas. Fonte: The Uncensored Library.

Os blocos fundamentais do metaverso

Popularização de novas tecnologias

Além da melhora no poder de processamento, armazenamento e o barateamento de tecnologias que possibilitam a existência do metaverso, tais tecnologias estão saindo dos nichos e se massificando. Em 2016, o jogo Pokémon Go foi lançado para smartphones e se tornou o aplicativo mais baixado das lojas de aplicativos semanas após seu lançamento. Utilizando recursos nativos de smartphones como o giroscópio, o GPS, a câmera e acesso à internet, jogadores apontam seus smartphones para locais do mundo concreto e têm a chance de encontrar e capturar um pokémon. Certos lugares em diversas partes do mundo se tornaram “ginásios", ou centros de treinamento para os pokémons, que atraíram milhares de jogadores. A experiência proposta pelo Pokémon Go utiliza realidade aumentada, em que elementos do universo digital se misturam ao mundo concreto, enriquecendo ou ressignificando objetos. Esta é uma experiência híbrida entre o metaverso e o mundo concreto, há clara distinção entre o que é digital e o que não é.

Divulgação do jogo Pokémon Go.

Divulgação do jogo Pokémon Go. Fonte: Pokémon Go.

Criptomoedas e o blockchain

Uma das coisas que permitiu o florescimento e a expansão de sociedades ao longo da história foi o estabelecimento de uma relação de troca entre duas partes, onde uma das partes almeja algo que a outra tem e vice-versa, e ambas entram em um acordo para que a troca aconteça em termos conhecidos. No espaço digital, jogos permitem o desbloqueio de certas funcionalidades ou estéticas aos jogadores que pagarem com dinheiro concreto. Recompensas não são dadas apenas pelas plataformas, jogadores compram e vendem itens virtuais de valor uns dos outros. Estes itens, no entanto, não podem sair das plataformas onde foram negociados. Como o metaverso é uma experiência de mundo aberto, um sistema de trocas e registros de trocas que atravesse plataformas é necessário para que relações comerciais existam no metaverso.

Em 2008, um modelo descentralizado de transações financeiras foi proposto por uma pessoa ou grupo identificado como Satoshi Nakamoto. O Bitcoin é uma moeda digital que circula no blockchain, um sistema de registro de transações conhecido e mantido por todas as pessoas que participam dele. Diversas criptomoedas e seus sistemas de blockchain surgiram nos anos seguintes. Um destes sistemas de blockchain ganhou notoriedade com o passar dos anos: o Ethereum. O Ethereum nasceu com a filosofia de ser mais do que uma rede para transações financeiras, e hoje pessoas desenvolvedoras podem criar aplicativos e jogos em cima do blockchain. Tais aplicações são ditas descentralizadas, e permanecem na rede uma vez que são publicadas.

Criptomoedas e o blockchain possibilitaram formas de relacionamento que antes só eram possíveis no mundo concreto, e são tidas como uma das bases para a realização do metaverso. Uma aplicação prática do encontro entre blockchains e o metaverso é o NFT, ou Token Não-Fungível. Utilizando blockchains programáveis como o Ethereum, é possível registrar e armazenar informações sobre ativos do mundo concreto de tal forma que cada registro é único e pode ser associado a um dono. Diversos ativos digitais são criados como NFTs e vendidos, como imagens e terrenos virtuais. Apenas um destes espaços digitais foi vendido dias antes da publicação deste post por USD 900.000,00.

Espaço virtual no mundo online Decentraland.

Espaço virtual no mundo online Decentraland. Fonte: New York Post.

De jogos para experiências imersivas

Os metaversos mais conhecidos são criados como jogos. Minecraft, Fortnite, League of Legends, GTA Online, Roblox e The Elder Scrolls Online são alguns exemplos, com outros a caminho. Jogos possuem uma jornada guiada e objetivos definidos. O metaverso, no entanto, não funciona necessariamente desta forma. Mesmo dentro de jogos, pessoas se encontram para participarem juntas de eventos como shows. Antes da mudança de marca, a Meta anunciou o Horizon Workrooms, um ambiente de trabalho dentro do metaverso, em que é possível se encontrar com outras pessoas em salas de reunião com acesso a recursos como quadros de desenho e projetores para apresentações.

Reunião dentro do Horizon Workrooms.

Reunião dentro do Horizon Workrooms. Fonte: Meta.

E-commerce e o metaverso

A experiência de comprar online é solitária e fria, diferente da experiência coletiva e emocionante de comprar em lojas físicas. Sair para comprar é, por si só, uma experiência. Shopping centers, feiras a céu aberto e outros centros comerciais intercalam diversas lojas e produtos com atrativos e exposições em vitrines que geram conversas, momentos, histórias e descobertas, mesmo que nada seja comprado naquele instante. Foi pensando nessa experiência de compra que a empresa chinesa Pinduoduo criou um e-commerce de produtos para agricultura adotando um modelo de comércio virtual que batizou de e-commerce interativo.

Modelo de e-commerce interativo proposto pela Pinduoduo.

Modelo de e-commerce interativo proposto pela Pinduoduo. Fonte: China Channel.

Visitantes do e-commerce conseguem comprar produtos com descontos maiores se comprarem em grupos, o que a plataforma estimula com a criação de times. Outro conceito importante é que deve haver espaço para descoberta de novos produtos, em detrimento do foco imediato na venda. Por fim, a plataforma recompensa as pessoas com produtos reais ao atingirem metas nos jogos que estão dentro do aplicativo. O aspecto social da compra online conversa com a experiência imersiva do metaverso, e o modelo proposto pela Pinduoduo pode ser um vislumbre da experiência de compra no metaverso.

No Brasil, a Lacta lançou uma plataforma virtual para compras, simulando uma loja física. Utilizando uma tecnologia similar ao Google Street View, visitantes podem navegar pelas seções das lojas, avaliar os produtos e colocar em uma sacola aqueles que querem levar. A loja ainda possui dois jogos: um quiz para encontrar a caixa de chocolates ideal, e um jogo para encontrar três trufas escondidas pela loja. Ao encontrar as três trufas, o visitante é recompensado com 10% de desconto em todos os produtos da loja.

Loja virtual da Lacta.

Loja virtual da Lacta. Fonte: Autor.

Nem tudo são flores

O blockchain pode garantir a identidade e a existência de avatares do metaverso, mas as tecnologias atuais estão longe de criar ambientes seguros. O Horizon Worlds é um metaverso lançado pela Meta dias antes da publicação deste post. Em menos de uma semana após seu lançamento para o público, mulheres denunciaram situações de assédio a seus avatares. A plataforma conta com o Safe Zone, um recurso que impede qualquer pessoa de ver ou falar com avatares que estão com o recurso ativado. O problema com este recurso, no entanto, é que a pessoa que se sente ameaçada e ativa o recurso se torna invisível, enquanto agressores continuam circulando pelo espaço virtual, até que sejam denunciados. Tornar a vítima invisível e silenciada acaba servindo como uma forma de legitimar comportamentos abusivos na plataforma.

Etapas para ativação do Safe Zone.

Etapas para ativação do Safe Zone. Fonte: Technology Review.

Se a segurança de quem já está no metaverso é um tópico a ser discutido, há ainda o desafio de possibilitar a inclusão de quem hoje não pode estar neste espaço. Os equipamentos que permitem uma experiência imersiva no metaverso são caros, especialmente no Brasil. O Oculus Quest 2, da Meta, custa pelo menos R$ 3.000,00 na data de publicação deste post. Alternativas mais em conta, como o Samsung Gear VR, permitem que várias pessoas engajem em jogos, mas não em outros tipos de experiências.

Privacidade de dados é um assunto que está em alta há poucos anos, impulsionado por usos abusivos de dados de pessoas. Ainda não existem ferramentas largamente adotadas que deem o controle definitivo dos dados para seus titulares, e as políticas de proteção de dados ao redor do mundo ainda estão em estágio de maturação. Experiências imersivas em ambientes virtuais certamente precisarão coletar mais dados, o que deve levantar dúvidas sobre os potenciais usos – e maus usos – de dados capazes de revelar muito sobre os nossos corpos nas mãos de fabricantes de dispositivos de realidade virtual.

A infância do metaverso

Apesar do crescimento do interesse pelo tema ser recente, o metaverso está em sua infância de décadas. As tecnologias de hoje já nos possibilitam vislumbrar o que é possível fazer no metaverso, mas diversas barreiras para além das tecnológicas precisam ser vencidas para viabilizar um metaverso seguro e inclusivo.

Se o metaverso for mesmo a próxima fase da internet, podemos aprender com todos os acertos e os erros cometidos até aqui para garantir que, antes mesmo de a tecnologia imersiva se tornar tão comum quanto smartphones, sejamos acolhidos em um espaço seguro para fazer aquilo o que a internet nos possibilita fazer de melhor: nos conectar.

Bora explorar o metaverso!