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As pessoas por trás das personas

O consumidor de hoje é muito diferente de um que viveu em décadas passadas. Ao longo deste post, vamos conhecer alguns marcos importantes na mudança de comportamento de consumo para entender como conquistar e fidelizar consumidores que prezam por muito mais do que qualidade.

Tempo estimado para a leitura: 10 minutos

Publicado em 21/04/2019 e atualizado em 16/11/2021.

Não é novidade que o consumidor de hoje é infinitamente mais exigente e poderoso que o de algumas décadas atrás. Se consumidores de outrora podiam escolher qualquer cor de carro, contanto que fosse preto, os de hoje levam até mesmo o posicionamento da empresa sobre temas polêmicos em consideração antes de fazer a compra, e deixam de comprar se a empresa não partilha dos mesmos valores. Empresas, por outro lado, não conseguem atender as demandas deste consumidor na velocidade com que são exigidas. Vou escrever sobre quem eu acredito ser este consumidor, como o comportamento de consumo evoluiu ao longo de décadas e o que eu acredito estar faltando para atender aos anseios da geração atual de consumidores.

O empoderamento do consumidor

É curioso pensar que profissionais de áreas cujo alicerce é a tecnologia fazem uso de ferramentas e processos inexistentes há vinte anos, criadas para trabalhar com modelos de negócios também inexistentes poucas décadas antes. O banco Credit Suisse calculou que o tempo médio de vida das grandes corporações da Fortune 500 caiu de 60 anos na década de 50 para menos de 20 em 2012. O relatório aponta que a principal causa de morte destas empresas é a chamada automação. Em suma, empresas estão entrando no mercado com tecnologias e processos capazes de trazer significante melhora em toda a cadeia de produção e distribuição do que fazem, a preços mais competitivos e melhor qualidade, eliminando quem não consegue se adaptar a novas formas de fazer negócios. Entre o final da década de 50 e o início da década de 80, o tempo médio de vida dos titãs do mundo corporativo já havia caído 35 anos em decorrência da automação.

Entre 1958 e 1980 o tempo médio de vida das empresas da Fortune 500 caiu quase que pela metade.

Entre 1958 e 1980 o tempo médio de vida das empresas da Fortune 500 caiu quase que pela metade. Fonte: Credit Suisse.

O comportamento de consumo atual é reflexo desse processo de mudanças das últimas décadas. Com acesso a produtos de melhor qualidade, a preços mais em conta e mais rápido, consumidores foram entendendo que podem se dar ao luxo da escolha. Tendo a crer que esse processo foi faseado:

  • Em um primeiro momento, consumidores entenderam que podem trocar uma cor, trocar o tamanho e experimentar com novas opções;
  • Em um segundo momento consumidores entenderam que podem comparar preços, marcas, modelos e experimentar com produtos de diferentes empresas;
  • Em um terceiro momento, consumidores entenderam que podem personalizar produtos que antes eram genéricos e, assim, fazer com que atendam suas necessidades específicas. Isso vai desde contratar um plano de saúde a escolher os componentes de um novo computador, de onde quer que a pessoa esteja e com o dispositivo que for;
  • Em um quarto momento – que acredito ser o atual – consumidores só se sentem confortáveis para comprar de empresas que possam confiar.

De clientes para assinantes

Eu não sei você, mas eu sou aquele tipo de pessoa que só troca de cabeleireiro se o estabelecimento que frequento fechou ou a pessoa que corta meu cabelo por alguma razão não pode mais me atender. Se eu for tentar explicar o porquê, eu diria que tem a ver com a comodidade de entrar em um lugar onde as pessoas já me conhecem e eu já as conheço, elas já sabem qual o corte que eu faço e se sentem a vontade para conversar enquanto cortam meu cabelo. No ano anterior ao da escrita deste post o preço aumentou, o que tornou outros lugares mais em conta. Considero que continuar com a comodidade de ser conhecido e de conhecer vale pagar a mais. Será que existe algo assim dentro do ambiente digital?

Atualização 16/11/2021: A pandemia me fez aprender a cortar meu próprio cabelo. Não contava com esta possibilidade quando este post foi escrito.

Salão de cabelereiro pronto para receber clientes.

Tudo pronto pro corte: o de sempre + por o papo em dia. Fonte: Pixabay.

Em seu livro Subscribed: Why the Subscription Model Will Be Your Company’s Future – And What to Do About It, o autor Tien Tzuo defende a ideia de que não fará mais sentido vender coisas para pessoas e depois não ter mais contato com elas. Ele argumenta que as pessoas estão deixando de priorizar a posse das coisas em função do acesso ao benefício que elas oferecem no momento em que precisam. Neste contexto, as empresas devem ser capazes de oferecer o benefício no momento em que as pessoas precisam, e, para isso, é necessário mudar a forma como a relação entre empresas e pessoas acontece. O autor ainda diz que isso gera uma vantagem competitiva conforme o relacionamento for se estreitando, pois as empresas terão acesso exclusivo a uma massa de dados sobre cada pessoa que tornará a entrega do benefício próximo de algo artesanal, aos moldes do que acontece com Spotify e Netflix. Clientes dão lugar a assinantes, o que faz com que empresas tenham que descobrir formas de fazer entregas de valor constantes e dentro de contextos diferentes. Exemplo disso é o que acontece com aplicativos de transporte como o Uber (classificado pelo autor como um serviço de assinatura), que transporta apressados para o trabalho, amigos para a balada, visitas para a casa da mãe ou comida por delivery, para citar alguns casos de uso. Pode ser a mesma pessoa, o mesmo produto, a mesma forma de uso, mas com contextos diferentes, o que gera valores diferentes. Independente do contexto e do momento, a empresa é capaz de atender as necessidades de bate pronto.

Cliente Uber pedindo um carro.

Cliente Uber pedindo um carro. Fonte: VisualHunt.

O primeiro passo para a confiança: uma infraestrutura segura

Considerando que o Uber pode ser enquadrado como um serviço de assinatura, o que exatamente é esse tipo de serviço? De acordo com o Tien Tzuo, é um tipo de serviço em que o relacionamento com os assinantes é constante. A recorrência da cobrança é um aspecto super importante dentro do conceito de Tzuo, mas algo tão ou mais importante é a capacidade de observar e aprender como assinantes estão fazendo uso do produto. É isso que permite a manutenção do relacionamento e a preservação da confiança. Isso pode não parecer novo ou grande coisa, mas a infraestrutura que permite a construção de negócios nesse modelo é um tanto recente, pelo menos no Brasil.

O ponto de partida para o surgimento de soluções de cobrança recorrente digital brasileiras surgiu em 2010, quando o governo brasileiro tomou providências para quebrar o monopólio de acesso as bandeiras de cartões. A mudança na legislação atraiu novas adquirentes. O governo interveio novamente em 2013 e estabeleceu a criação de uma infraestrutura comum sobre a qual operam as redes de pagamento. Foi só então que as soluções de cobrança recorrente ganharam tração no Brasil: gateways e subadquirentes que fazem a intermediação com as adquirentes e os demais players da rede de pagamentos e recebimentos a preços acessíveis. Estas soluções tornaram possível estabelecer complexos sistemas financeiros automatizados, criando raízes para a construção de modelos de negócio recorrentes. Em 2017 o Banco Central do Brasil (ou BACEN), órgão regulador do setor, determinou que toda transação feita por cartão de crédito deveria ser feita apenas por instituições devidamente autorizadas, o que forçou estas novas empresas a se adequarem as regras do BACEN.

O que é mais importante no parágrafo anterior é o período: repare que estamos falando de 2010 pra frente. Em menos de uma década surgiram em terras tupiniquins diversas empresas que atendem a todo tipo de demanda e que se baseiam em modelos de negócio recorrente. Para ter uma ideia, acesse os sites de subadquirentes brasileiros e navegue pelas suas carteiras de clientes. Entre nos sites de alguns deles e veja as datas em que nasceram. Novas empresas nascem no Brasil já pensando em criar relacionamentos de confiança com seus consumidores pela recorrência.

Legal, temos a infraestrutura para criar negócios pautados no relacionamento constante com clientes. Falta repensar a forma como fazemos o pós venda desses negócios.

O segundo passo para a confiança: não parar na venda

Citando novamente o livro de Tien Tzuo, o autor argumenta que estamos há mais de 120 anos fazendo negócios da mesma forma: criando produtos em volume, despachando estes produtos por canais que entendemos serem estratégicos e mensurando retorno para redistribuir o orçamento nos canais mais adequados. O ciclo se repete e as empresas se satisfazem uma vez que concretizam a venda. Em um modelo de negócios recorrente a venda é só o começo do relacionamento, e isso força as empresas a repensarem a forma como elas funcionam para entregar benefícios de acordo com momentos e contextos.

Modelo de negócios baseado em recorrência criado por Tien Tzuo.

Modelo de negócios baseado em recorrência criado por Tien Tzuo. Fonte: Tien Tzuo.

Sob a ótica da assinatura em ambiente digital, os canais de entrega estão entrelaçados. Pessoas interagem com empresas por diversas frentes e esperam uma experiência consistente. São por estes canais que há a entrega de valor. São várias as coisas que mudam dentro das empresas para operacionalizar tal modelo. Algumas delas são:

  • Não há apenas um canal de marketing responsável pelas vendas. Há vários;
  • As mesmas pessoas fazem pagamentos constantes e um modelo de gestão de pagamentos é necessário;
  • Se a venda é só o início de um relacionamento que pode facilmente ser desfeito, é necessário pensar em mecanismos de fidelização;
  • O relacionamento pode mudar a qualquer momento: consumidores querem acrescentar mais serviços ao que já possuem, cancelar parte ou toda a assinatura ou comprar benefícios em paralelo. Deve haver uma forma de ajustar o plano de cada assinante facilmente.

Consumidores já estão começando a esperar que empresas de qualquer natureza se comportem como serviços de assinatura. Empresas de referência em modelos de assinatura, como as já citadas no post, não são lembradas por serem empresas com modelos de recorrência. Elas são lembradas por criarem um relacionamento duradouro com seus assinantes. São os “salões de cabeleireiros digitais” que trazem conveniência a um custo de oportunidade dito justo por quem assina. Elas demonstram conhecer seus assinantes para entregar valor personalizado e prestam atendimento humanizado, também personalizado, para quaisquer questões que venham a existir ao longo do relacionamento. É assim que se fortalece a confiança. Com o cultivo da confiança a empresa constrói sua marca.

Marca: de sinônimo de qualidade para sinônimo de compartilhamento de valores

Uma legião de consumidores, ou assinantes, que confiam na relação que possuem com as empresas das quais consomem é o que fortalece a marca de uma empresa, um vetor que representa percepções e ideais defendidos por uma empresa e valorizados por seus consumidores. A marca é o que uma empresa significa para seus consumidores e para o ambiente onde está inserida. Ela tem o poder de emanar confiança uma vez que a empresa a tenha cultivado e carrega determinados valores, ou atributos, em tudo o que faz. É a entrega de produtos e serviços personalizados sob o banner de uma marca de confiança que gera a comodidade da permanência e o compartilhamento espontâneo. Isso é importante se considerarmos que 92% dos consumidores ao redor do mundo confiam mais em divulgação espontânea do que qualquer outra forma de publicidade.

Vale lembrar que marca não está atrelada a serviços por assinatura. O que é importante notar é que a marca, e o que ela representa, é o que trará confiança se essa confiança for primeiro cultivada pela empresa, o que segue sendo válido para serviços de assinatura no mundo digital. Se a marca é a representação pública de tudo o que uma empresa faz e porque ela faz o que faz, as empresas precisam cuidar bem dela. Mesmo uma marca estabelecida, se não se atentar a seus valores, corre o risco de virar alvo de boicotes.

Mulheres fazendo gestos obscenos em frente a um anúncio da Skol.

A Campanha Esqueci o Não, da Skol, que foi boicotada nas redes sociais em 2015. Fonte: Exame.

Estamos assistindo ao nascimento de uma nova geração de negócios

Certa vez li em algum lugar que empresas do século XIX, com funcionários educados com práticas de mercado do século XX, atendem a consumidores do século XXI. A prática de produzir produtos e distribuir em massa por diversos canais é algo que alude a essa frase. Acontece que de oferta estamos bem fartos e os canais de distribuição estão um tanto entupidos. Navegar por um mar de opções de produtos e serviços que aparentemente oferecem as mesmas coisas com preço, qualidade e agilidade competitivos se torna difícil. Consumidores deixam transparecer a demanda por produtos e serviços feitos para suas necessidades, mas só se dispõem a se relacionar com quem se sentem seguros para tal.

Bora criar marcas de confiança!